segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Novas evidências do Plano Condor no Brasil


http://www.ihu.unisinos.br/noticias/503498-novas-evidencias-do-plano-condor-no-brasil

Um dossie secreto obtido pelo Página/12 demonstra o nível de colaboração que existiu entre as ditaduras do Brasil e da Argentina, algo que na Argentina não se questiona, mas que no Brasil ainda gera debate.

A reportagem é de Darío Pignotti e publicada pelo Página/12, 17-11-2011. A tradução é do Cepat.

Centenas de documentos secretos a que teve acesso este jornal indicam que os laços que uniam o Brasil e a Argentina no Plano Condor foram intensos e contínuos pelos menos desde 1975, e com certa frequência antes mesmo do que isso. Além de facilitar informações ou deslocamento de agentes para dar cabo à resistência em ambos os paíes, também existiu uma estreita colaboração no plano diplomático.

Segundo mostram os documentos, uma parte importante dos diplomatas brasileiros na América do Sul reportavam-se ao CIEX, uma rede de inteligência formada no Palácio Itamarati na segunda metade dos anos 60 por Manoel Pio, que chegou a ser secretário geral da Chancelaria e nos final dos anos 60 foi embaixador em Buenos Aires. O sucedeu Francisco Azeredo da Silveira, “um homem que avalizou os sequestros de brasileiros em Buenos Aires nos anos 70”, afirmou Jarbas Silva Marques, o prisioneiro político que mais anos ficou nas prisões da ditadura brasileira.

Nos arquivos da inteligência brasileira há informações sobre as atividades do escritor Juan Gelman em Roma e sobre uma viagem que ao que parece realizou à Madri “junto a Bidegain, Bonasso M. e outros dirigentes... em 17 de junho de 1978”, reza o despacho incluindo um dossiê do Estado Maior do Exército do Brasil, intitulado “Movimento Peronista Montonero no exterior, Acionar, Contatos, Conexões com Grupos Terroristas Antecedentes”.

O documento recolhe informações que os serviços de inteligência argentina passaram aos colegas brasileiros.

No dossiê do Exército brasileiro, também há detalhes sobre as tarefas dos exilados argentinos no México para tentar o exílio do ex-presidente Héctor Cámpora, recluso em Buenos Aires, assim como dados sobre um encontro em Beirut, em 21 de junho de 1978, entre “chefes do Exército Peronista Montoneros os serviços especializados da resistência palestina”.

O dossiê não contém grandes revelações sobre os Montoneros, mas demonstra o nível de colaboração que existia entre ambas ditaduras, algo que na Argentina não se questiona, mas que no Brasil ainda gera debate.

“No Brasil se tem a ideia de que não houve participação e se houve foi secundária e isto está longe de ser verdade. O Brasil não apenas participou, mas foi uma peça importante dentro do plano Condor”, destaca Jair Krischke, coordenador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos brasileiro, que segue as pistas do plano Condor verde-amarelo faz três décadas. “No Brasil se conhece pouco e se esconde muito. Aqui temos a Lei da Anistia, um absurdo... e os militares não liberam os seus arquivos. Eu diria que quem inaugurou a Operação Condor quando nem sequer se chamava dessa maneira foi o Brasil. Agentes da inteligência brasileira sequestraram militantes brasileiros na Argentina no começo da década de 70. Logo depois o Condor é formalizado no Chile por Contreras e sua gente, os militares brasileiros sempre tiveram a cautela de não deixar digitais nessa coordenação, mas estavam”.

“Soube que fui espiado até pela Stasi (polícia política da Alemanha Oriental), mas ignorava que o meu nome estava nos arquivos da ditadura brasileira, como você está informando-me agora”, disse Gelman desde o México, no começo da conversa telefônica. Mais adiante, depois de conhecer outras informações ocultas durante décadas nos armários de Brasília, Gelman pondera: “No fim, a verdade é que não parece ser tão espantoso que o meu nome figure nos documentos brasileiros citados por você, porque houve montoneros importantes sequestrados por lá, Horacio Campliglia foi um”. Referia-se ao guerrilheiro desaparecido depois de ter sido capturado em março de 1980 por agentes de ambos os países no Aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro, para posteriormente ser transferido para a prisão de Campo de Maio.

Outras comunicações reservadas, estas procedentes da embaixada em Roma, falam das atividades desenvolvidas por religiosos brasileiros diante de organismo internacionais de direitos humanos, gestões que contavam com o aval da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, no interior do qual houve cardeais como Paulo Evaristo Arns, que acolheu refugiados argentinos em São Paulo.

Observa-se nos despachos elaborados por diplomatas e agentes do Condor brasileiro uma preocupação recorrente com os religiosos ligados a Teologia da Libertação, tanto pelas pressões que esta realizava no Vaticano como por suposto “financiamento internacional” que recebiam as comunidades eclesiais radicadas em regiões rurais onde atuava a guerrilha do Partido Comunista do Brasil.

A obsessão sobre os efeitos “subversivos” dos padres “terceiro-mundistas” reaparece em uma ficha onde está escrito que “Montoneros são a única organização guerrilheira que tem em seu interior, de forma oficial, sacerdotes com patente de capelães”.

Mais adiante o mesmo texto, por momentos com rascunhos, traz informações do padre argentino Jorge Adur, que ostentava “o grau de capitão do Exército Montonero... organização que em julho de 78 enviou uma notificação ao Vaticano sobre sua designação”.

O relatório, com selo do Exército brasileiro e presumivelmente escrito pelos serviços argentinos, é concluido em setembro de 1978, quase dois anos antes do desaparecimento de Adur, acontecida em junho de 1980, pouco depois de ter sido visto no Rio Grande do Sul, para onde viajou para apresentar denúncias diante da comitiva do papa João Paulo II.

Um despacho “confidencial” gerado pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) e do Ministério do Exército, aborda a presença “de terroristas do ERP e Montoneros no Brasil”, divaga sobre os motivos da “infiltração” argentina e ordena aos membros das forças armadas e a polícia que redobrem esforços para capturá-los.

Em outro escrito reservado, de 4 de abril de 1978, o SNI, orgão máximo de espionagem subordinado diretamente à presidência argentina, indica que os Montoneros “voltariam a intensificar suas operações (na Argentina) durante a realização da Copa do Mundo, buscando atingir entidades governamentais e interferir nas estações de rádio e televisão”.

O balanço provisório sugerido da leitura dos telegramas e relatórios reservados obtidos pelo Página/12 é que o aparato repressivo dos ditadores, particularmente de Ernesto Geisel (governou entre 1974 e 1979) e João Batista Figueiredo (1979-1985), tipificava a guerrilha argentina como uma ameaça a “segurança nacional” brasileira (tal como consigna textualmente em algumas mensagens).

Algumas das primeiras ações terroristas binacionais aconteceram em Buenos Aires, em 1970 e 1971, quando em dois operativos coordenados com o Brasil foram sequestrados, primeiro, o ex-coronel nacionalista Jefferson Cardim e mais tarde o guerrilheiro Edmur Pericles Camargo, até hoje desaparecido. Segundo um telegrama fechado em Buenos Aires em 1971, obtido por este jornal no Arquivo Nacional de Brasília, a captura de Pericles Camargo foi monitorada pela embaixada brasileira, cujo titular era Antonio Francisco Azeredo da Silveira.

“No Arquivo do Terror paraguaio estava guardado um telegrama vindo do Brasil falando sobre  a coordenação com Argentina e os sequestros em 1980. Isso foi descoberto por Stella Calloni, autora de um grande trabalho sobre o Condor”, destaca o Premio Nobel da Paz alternativo Martín Almada.

A estratégia de espiar, informar, capturar e eventualmetne eliminar estrangeiros no Brasil e em co-nações no exterior, foi aplicada sistematicamente pelo aparato militar diplomático pouco depois do golpe contra o presidente democrático João Goulart, em 1964, diz Almada.

“Os brasileiros viam os demais países do cone sul como seu quintal, e o queriam disciplinado dentro de seu plano de guerra contra o comunismo e em função disso sequestraram e assassinaram dissidentes paraguaios a pedido de (Alfredo) Stroessner, que lhes retribuíu fazendo o mesmo, colaborando na perseguição de brasileiros no Paraguai. Vi vários telegramas vindos do Brasil pedindo a captura de Carlos Marighella (líder guerrilheiro). O Brasil foi bem dissimulado, trabalhou com eficácia, sem deixar digitais dentro do Condor, se articulou muito com as ditaduras do Chile, Paraguai, Uruguai, Bolívia. É lógico que muito ainda tem que se descobrir sobre sua colaboração com a Argentina” declarou Almada ao Página/12.

"Falta descobrir muita coisa, espero que essa Comissão da Verdade o faça. Acredito que há vontade de fazê-lo, a presidenta Dilma Rousseff mostrou coragem estimulando-a, os brasileiros são responsáveis do que eu chamo Pré-Condor, e disso não se sabe quase nada”, destacou Almada.

Certamente, o know how da coordenação repressiva não surgiu em novembro de 1975 com a formação do Condor durante o encontro secreto dos grupos repressivos estatais sulamericanos em Santiago, Chile, encabeçada pelo coronel Manuel Contreras.

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