domingo, 30 de outubro de 2011

Brasil cria Comissão da Verdade sobre a ditadura, mas não questiona Lei de Anistia

29/10/2011


http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=48879

Foram necessários mais de 25 anos para que o Brasil finalmente autorizasse para si uma reflexão oficial sobre os anos de chumbo da ditadura militar (1964-1985). Após vários meses de tensos debates, o Senado aprovou por unanimidade, na noite de quarta-feira (26), um mês depois da Câmara dos Deputados, uma lei prevendo a instauração de uma “Comissão da Verdade”, encarregada de esclarecer os assassinatos, desaparecimentos e torturas ocorridos durante esse período. O Brasil é o último país da América Latina a implantar um mecanismo do gênero.

A reportagem é de Nicolas Bourcier, publicada pelo jornal Le Monde, e reproduzida pelo portal Uol, 29-10-2011.

O texto foi ratificado já na quinta-feira pela presidente Dilma Rousseff, ela mesma uma ex-guerrilheira torturada no cárcere da ditadura. Iniciado por seu mentor e predecessor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o projeto de criação dessa Comissão havia sido apresentado como “uma das prioridades do governo” por Rousseff logo nos primeiros dias de seu mandato.

A comissão será composta por sete pessoas, todas nomeadas pela chefe de Estado. Elas terão dois anos para examinar as violações dos direitos humanos cometidas, segundo seu plano de ação, entre 1946 e 1988. “O período escolhido foi maior que o da ditadura para não antagonizar os militares”, reconhece Paulo Sérgio Pinheiro, pesquisador do Centro de Estudos sobre a Violência na Universidade de São Paulo e membro do grupo de reflexão interministerial encarregado do dossiê. “Mas todos sabem que a comissão trabalhará somente os anos da ditadura”.

Ao contrário de outros países da região, a lei votada em Brasília não permite questionar a anistia de 1979, que havia permitido a volta dos exilados políticos, ao mesmo tempo em que protegia os militares e policiais torturadores de processos na Justiça. A anulação dessa anistia, desejada por famílias de vítimas e por organizações políticas de extrema esquerda, se depara com os comandantes das forças armadas e com os oficiais superiores em reserva.

“É preciso entender que a criação dessa Comissão é o resultado de um longo trabalho e do melhor consenso possível neste Brasil de hoje”, ressalta Paulo Sérgio Pinheiro. “É a peça legislativa mais importante para o trabalho de memória sobre a ditadura”.

400 mortos e desaparecidos

O Brasil reconhece oficialmente 400 mortos e desaparecidos durante os anos de chumbo. Cerca de 5.000 pessoas teriam sido torturadas. Até hoje, somente parte das famílias de vítimas da ditadura recebeu uma indenização do Estado.

É pouco, se comparado com a Argentina, que anulou suas leis de anistia em 2003 e condenou 200 militares envolvidos em crimes cometidos pelas juntas militares. Na quarta-feira mesmo um tribunal de Buenos Aires condenou, em um estrondoso julgamento, doze torturadores à prisão perpétua. O Congresso uruguaio também votou, na quinta-feira (27) – a proximidade de datas foi um acaso - , um projeto de lei que torna imprescritíveis os crimes cometidos durante a ditadura.

A instauração da comissão por parte de Brasília é uma “primeira etapa” na busca pela verdade, afirmou Maria do Rosário Nunes, ministra encarregada dos direitos humanos. Esse passo foi considerado insuficiente para ONGs próximas de famílias de vítimas e pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL, extrema esquerda), que criticam a falta de recursos e de ambição da Comissão.

Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos havia condenado o Brasil por violações dos direitos humanos sob a ditadura, declarando sua lei de anistia “sem efeito jurídico”.

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