segunda-feira, 18 de abril de 2011

Operação Condor eliminou fronteiras da repressão política

11 de dezembro de 2006

unisinos


Condor é uma ave típica dos Andes e símbolo do Chile. Mas é também a ave com a arte da astúcia na caça às suas presas. Foi este o nome que se tornou a marca da unidade sanguinária dos serviços de segurança das ditaduras do Cone Sul na década de 70.

A Operação Condor teve no ditador chileno, general Augusto Pinochet, seu grande articulador - e o chefe do seu serviço secreto, a Dina, o coronel Manuel Contreras, o executor.

Era um acordo operacional onde as fronteiras entre, inicialmente, Chile, Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Brasil deixaram de existir para operações de caça, captura, tortura e assassinatos de adversários políticos dos regimes daqueles países.

A reportagem é de Maria Inês Nassif e publicada no jornal Valor, 11-12-2006.

O Brasil, que iniciou em 1964 seu último período de treva totalitária - que se estenderia até 1985 -, deu os primeiros passos para a articulação anticomunista na região.

Em 1970, com medo de "sovietização" da Bolívia, ofereceu aos adversários do presidente Juan José Torres dinheiro, aviões, armas e até mercenários e permissão para instalar áreas de treinamento em território brasileiro perto da fronteira. O golpe de Estado preparado pelo general Hugo Banzer teve apoio logístico do Brasil.

Em 1971, o III Exército brasileiro preparou-se para invadir o Uruguai, no caso de a Frente Ampla vencer as eleições.

Ela foi derrotada, mas após a vitória dos conservadores o delegado Sérgio Fleury, da Divisão da Ordem Política e Social de São Paulo (Dops), ajudou a formar em solo uruguaio o esquadrão da morte que liquidaria os militantes do esquerdista Movimiento de Liberación Nacional Tupac Amaru.

Em 1973, os militares brasileiros apoiaram o golpe de Estado que deu início à ditadura militar, de fato, do Uruguai.

O Brasil também colaborou com os EUA na preparação do golpe do Chile, em 1973.

Segundo o historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira, para lá foram destinados recursos financeiros arrecadados entre empresários brasileiros e, entre 1972 e 1973, vários carregamentos de armas e munições.

A Junta Militar chefiada por Augusto Pinochet foi reconhecida imediatamente pelo governo brasileiro.
Ainda segundo Moniz Bandeira, em "Brasil e os golpes na Bolívia, Uruguai e Chile: 30 anos depois", o início da ditadura chilena foi o ponto de partida para a oficialização do "intercâmbio" entre os aparelhos de segurança do Cone Sul.

A Operação Condor foi instituída oficialmente em 1975 entre os serviços secretos do Chile, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

Algumas luzes sobre o período vieram em livro lançado em 2004, "Os anos do Condor: uma década de terrorismo internacional no Cone Sul", pelo jornalista americano John Dinges, produto da pesquisa de 24 mil relatórios sobre o Chile e 4 mil sobre a Argentina, feita entre os documentos desclassificados na administração do ex-presidente Bill Clinton, dos EUA.

Segundo Dinges, o ex-presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), era o "homem Condor" brasileiro. A ele foi dirigido o convite pessoal do general Augusto Pinochet para participar da reunião em Santiago, em 1975, que formalizaria a operação. Mandou um representante. O Brasil não assinou o documento na reunião onde firmaram o acordo o Chile, a Bolívia, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, mas se juntaria oficialmente à iniciativa em junho de 1976. Em 1980, o Peru, recém-chegado ao time das ditaduras militares, entrou no clube.

Era uma ação conjunta para unificar os aparatos repressivos. Segundo um documento de setembro de 1976 do FBI desencravado dos arquivos norte-americanos por Dinges, a operação teve três fases.

Na primeira, teria sido consolidada a base de troca de informações entre os seis países membro - Chile, Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Brasil, depois Peru.

A fase dois foi executiva, quando as ações passaram à troca de prisioneiros e execuções dentro do território dos países participantes do acordo.

Na terceira, preparou-se a execução de adversários das ditaduras militares sul-americanas fora da América Latina.

Segundo Moniz Bandeira, as ações da Operação Condor seguiam uma regra. Se um adversário político de um regime estivesse na Europa, por exemplo, uma equipe especial era enviada especialmente para fazer a localização e a vigilância.

Em seguida uma segunda equipe chegava para a "sanção", normalmente assassinato. Um país sul-americano fornecia os documentos para a equipe de assassinos de outro, para apagar impressões digitais de morte política.

Buenos Aires foi um farto território para a Operação Condor. Lá existia uma grande colônia de exilados chilenos, uruguaios, bolivianos, brasileiros e paraguaios.

O general Carlos Prats, que serviu ao governo Allende, deposto por Pinochet, foi assassinado em setembro de 1974. Em maio de 1976 entraram para a contabilidade das equipes do Condor em Buenos Aires a morte de dois parlamentares uruguaios, senador Zelman Michelini e o deputado Héctor Gutiérrez Ruiz, e o ex-presidente da Bolívia Juan José Torres.

Segundo o jornalista americano, o general João Figueiredo teria recuado da ação com os vizinhos na última etapa. Teria, então, passado informações sobre os planos de matar adversários nos EUA e na Europa para a CIA, por não concordar em estender a ação de extermínio para territórios fora dos países integrantes da Operação Condor.

Ainda assim, segundo Dinges, a ação do governo norte-americano para interromper os assassinatos foi dúbia. Fica óbvio que não interferiu nos planos de executar o ex-embaixador do Chile em Washington do governo Allende, Orlando Letelier, em território norte-americano, num atentado à bomba.

A CIA tinha conhecimento de que os agentes destacados para executar o assassinato chegaram ao país com mais de dois meses de antecedência.

Por razões que não se entende, o governo dos EUA atuou e foi bem-sucedido ao impedir operações semelhantes contra o guerrilheiro venezuelano Carlos Chacal e dois chilenos - elas seriam feitas em Paris e em Lisboa.

No caso da morte de Letelier, o então chefe da Dina, Manuel Contreras, teria contratado um assassino norte-americano, Michel Townley, que trabalhou para a CIA.

Além do assassinato de Letelier, teria participado de outras seus operações para a Condor. Segundo Dinges, a idéia era a de responsabilizar a CIA pelo atentado. Mais tarde, Contreras acusou o próprio Pinochet pela ordem de matar Letelier, mas continuou atribuindo à CIA a execução do assassinato.

Embora o jornalista norte-americano tenha encontrado indícios de que o Brasil não participou da terceira fase da Operação Condor, os fatos indicam que esteve envolvido com o programa de cooperação até a cabeça nas duas fases anteriores.

Em 1978, dois uruguaios, Lilian Celiberti e Universindo Dias, foram seqüestrados em Porto Alegre pelas polícias uruguaia e brasileira.

Em dezembro de 2000, a justiça italiana julgou 11 brasileiros, militares e policiais, todos eles ativos na Operação Condor, por assassinato, seqüestro e tortura de cidadãos italianos.

Ainda é polêmica a morte quase simultânea dos ex-presidentes João Goulart e Juscelino Kubitschek e do ex-governador Carlos Lacerda.

Isso porque, em setembro de 1977, o jornalista norte-americano Jack Anderson divulgou uma carta redigida pelo coronel Contreras, endereçada a Figueiredo. A carta é datada de 28 de agosto de 1975 e traz a preocupação do chefe da polícia secreta chilena com a eleição de Jimmy Carter, nos EUA, e com defensores de direitos humanos latinoamericanos, entre eles Letelier e Kubitschek.

Diz: "Também temos conhecimento das posições de Kubitschek e Letelier, o que no futuro poderá influenciar seriamente a estabilidade do cone sul de nosso hemisfério. O plano proposto por você para coordenar a ação contra certas autoridades eclesiásticas e políticos da América Latina conta com o nosso decisivo apoio".  

JK morreu num acidente automobilístico em 22 de agosto de 1976; Letelier sofreu atentado a bomba em 21 de setembro; em 6 de dezembro morreu João Goulart, com 58 anos, de enfarte, em sua fazenda na Argentina. Em maio de 1977 morreu Lacerda, de septicemia.

Os três brasileiros haviam se entendido em torno de uma Frente Ampla para restaurar a democracia brasileira.

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